Teoria vs. Prática: por que precisamos de definições?


08/02/2004

Em uma quente e úmida noite de novembro, eu estava em sala de aula diante de cerca de vinte alunos de graduação, ministrando uma das primeiras aulas da disciplina “Planejamento de Campanhas de Propaganda”. Em um dado momento, uma aluna, das mais inteligentes por sinal, interrompeu a explanação com a seguinte pergunta:

– Professor, por que a gente precisa de tantas definições? Assim a aula fica muito chata!

Tive de concordar com a aluna. Realmente, aquelas primeiras seis aulas que constituíam a introdução do curso eram bastante “chatas”: os alunos eram expostos a uma enxurrada de definições e conceitos novos. Desconcertado, resolvi devolver a pergunta à turma.

– Gente, vocês precisam mesmo de tantas definições? Sim ou não? – perguntei.

A reação da turma foi mais ou menos apática, talvez por causa do calor. Em todo caso, pude intuir que boa parte da turma julgava não serem necessárias todas aquelas definições.

Fiquei preocupado. Eu estava investindo um grande tempo e esforço tentando transmitir à turma uma mensagem cuja importância lhe escapava por completo.

Como publicitário e educador, eu deveria saber melhor. Afinal, certificar-se da importância que o seu público-alvo dará à sua mensagem é um requisito elementar de qualquer esforço estruturado de comunicação. Seja uma aula, seja uma campanha multimilionária de alcance global.

Após alguns segundos de estupefação, uma idéia iluminou minha mente. Resolvi perguntar à turma:

– Escutem, alguém aí na turma pode me dar uma definição de “definição”?

Silêncio total.

Dirigi então a pergunta individualmente a diversos alunos. Obtive somente respostas titubeantes, que demonstravam claramente que os alunos não sabiam qual era a importância das definições, simplesmente porque não sabiam o que era uma definição!

Como não havia me preparado previamente para aquele assunto, não dispunha de uma definição dicionarizada ou de algum autor categorizado sobre o sentido preciso da palavra “definição”. No entanto, eu havia sido desafiado pela turma e precisava responder a esse desafio. E eu tinha certeza de que, se eu realmente sabia o que era uma “definição”, eu saberia defini-la com minhas próprias palavras, ainda que de forma precária, não havendo necessidade imediata de recorrer a um livro. Posteriormente, eu poderia pesquisar o assunto e descobrir uma definição mais precisa.

Pedi que os alunos abrissem os cadernos, preparassem as canetas e anotassem a seguinte definição improvisada para “definição”:

“Definição é a tradução de algo desconhecido em termos conhecidos”.

Senti-me aliviado, pois aquela formulação salvar-me-ia a noite. Quando todos os alunos terminaram de anotar, voltei à carga, dando um xeque-mate na dúvida geral da turma:

– Entendem agora por que vocês precisam de tantas definições? É porque vocês desconhecem coisas demais que sobre o marketing e a propaganda!

Refletindo mais tarde sobre o episódio, conscientizei-me de que não se tratara apenas de um jogo de palavras destinado a esquivar o professor de uma pergunta difícil, mas de um daqueles raros momentos em que uma intuição momentânea faz o trabalho de horas de reflexão.

Senão, vejamos. O Dicionário Aurélio nos apresenta um total de onze sentidos para a palavra “definir”, dentre os quais reproduzimos aqueles mais nos interessam para efeito desta discussão:
“ definir. [Do lat. definire]. V.t.d. 2. Enunciar os atributos essenciais e específicos de (uma coisa), de modo que a torne inconfundível com outra. 3. Explicar o significado de; indicar o verdadeiro sentido de: definir um termo, uma expressão. 4. Dar a conhecer de maneira exata; expor com precisão; explicar: definir uma idéia, definir uma situação”.

Ora, de que forma nós “enunciamos os atributos essenciais e específicos de uma coisa” de modo a torná-la “inconfundível com outra”? De que forma “explicamos o significado” ou “indicamos o verdadeiro sentido” de um termo ou expressão? De que forma “damos a conhecer de maneira exata” e “expomos com precisão” uma idéia ou situação?

Traduzindo essa coisa, termo, expressão, idéia ou situação em palavras inteligíveis, conhecidas, pela outra pessoa!

Toda essa discussão pode parecer filosófica demais, esotérica demais. O que tem a ver a definição de “definição” com planejamento de comunicação de marketing?

Tudo. Mas, se você acha que não tem nada a ver, veja o seguinte exemplo:

“Promoção! Placa-Mãe Asus, Memória DDR 256 Mb 333 Mhz, Caixas de Som , Monitor 17” Digital, Gravador LG CDRW 48x24x48 / DVD Lg 16X (Combo LG), HD Samsung 40 Gb 7.200 RPM, Rede integrada 10/100, Placa de vídeo GeForce MX 440 64 Mb com TV, Drive 1.44, Fax/Modem 56K int. voice Lucent/Netgate V92, Som integrado, Gabinete Torre Média 4 Baias, Teclado, Mouse, Mouse pad, capas. Apenas R$ 2.999,99”.

Verdadeira sopa de letrinhas. Que mensagem esse anúncio transmite a um consumidor potencial, que está pensando em adquirir o seu primeiro computador, mas pouco ou nada entende de informática?

Uma mensagem como essa confunde mais do que informa. Intimida mais do convence. E esse anunciante do computador não pagou uma fortuna pelo anúncio com o objetivo de confundir e intimidar, mas de informar e convencer o consumidor a comprar o computador na empresa dele. E não em uma das empresas concorrentes.

Felizmente para o mercado de microinformática, os consumidores não dependem da propaganda para aprender o “informatês” básico. Nossos publicitários deixaram a cargo dos jornalistas a tarefa de orientar e educar os consumidores, de traduzir para termos conhecidos a esotérica sopa de letrinhas que define as configurações dos microcomputadores. Não fosse a extraordinária competência demonstrada por nossos jornalistas no desempenho dessa tarefa, talvez o mercado brasileiro de microinformática ainda estivesse na pré-história.

O fato é que precisamos saber de verdade aquilo que queremos explicar para os outros. E, quem sabe de verdade, sabe definir.

Quando o assunto é Comunicação de Marketing, existem mais definições do que conceitos. Muitas dessas definições são confusas e contraditórias, de modo que um leitor desavisado pode pensar que o autor está tratando de um assunto quando, na verdade, está falando de outra coisa bem diferente.

Vejamos, por exemplo, a palavra merchandising. Originalmente, essa palavra significava a execução, o lado prático e operacional do marketing. Hoje, o termo merchandising refere-se à inserção ocasional de um produto no âmbito de um filme ou programa de TV, a ações de comunicação no ponto de venda, a todos os esforços realizados no nível da loja para aumentar a rotação de produtos, e assim por diante. João de Simoni, em seu excelente livro sobre promoção de vendas, apresenta nove diferentes definições para merchandising, de diferentes autores e, após apresentá-las, bate o martelo: “Merchandising é, na realidade, tudo isso” (p. 51). Tudo isso e mais um pouco, pois o autor ainda acrescenta diversas idéias próprias sobre o assunto. O mesmo autor, quando aborda o assunto “promoção de vendas”, apresenta nada menos do que vinte definições sobre essa modalidade de comunicação de marketing!

O que fazer diante de toda essa confusão?

Acreditamos que a saída está em ater-se às idéias básicas. Em expor a simplicidade que se esconde por trás das palavras difíceis, de modo a tornar inconfundível o seu verdadeiro significado. Se atingirmos esse objetivo, pouco importa se as palavras estão escritas em algum livro: conseguiremos estabelecer comunicação com nossos públicos, e é isso que importa.

Quando um publicitário cria um anúncio, o que ele está fazendo na verdade? Está traduzindo em palavras, imagens e sons, de forma simples, sucinta e inteligível para seu público, as complexas informações mercadológicas a que teve acesso por meio do briefing. Se esse publicitário realmente entendeu o briefing, ele será capaz de fazer essa tradução no limite máximo de seu talento. Por outro lado, se o briefing estiver confuso ou mal-redigido, e não houver ninguém na agência capaz de esclarecer o seu verdadeiro sentido, só por um golpe de sorte o anúncio cumprirá os propósitos para os quais foi criado.

Podemos dizer, portanto, que as definições constituem o centro da vida do profissional de Comunicação de Marketing. Não necessariamente as definições acadêmicas e livrescas, mas aquelas que expõem as idéias simples subjacentes à complexidade que envolve os problemas mercadológicos.

Se você é, ou deseja ser, um profissional de comunicação, você precisa, portanto, estar atento às definições. Em outras palavras, precisa certificar-se de que será capaz de expor em termos simples, inteligíveis para o seu público, seja qual for, as idéias básicas que fundamentam a sua estratégia de comunicação.

Alexei Gonçalves de Oliveira tem é mestre em Administração, pela Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro, bacharel em Communicação Social e professor assistente, responsável pelas disciplinas Planejamento de Campanhas e Marketing no Departamento de ComunicaçãoSocial da Universidade Federal Fluminense.

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