Fortalezas de areia e o rio de águas transparentes

Há algum tempo, mudanças claras vêm ocorrendo ao nossor redor. É ummovimento progressivo, inexorável, que avança a cada dia, como as águas de um rio que procurao mar.

É curioso observar que para muitos, ocupados demais para apreciar a paisagem, esse rio é transparente. Vez por outra, escutam o barulho das águas invisíveis conquistando espaço, mas logo se esquecem da suposta alucinação: não há tempo a perder com bobagensassim. Quando indagados sobre o assunto, acham graça, fogem ou se protegem em suas fortalezas de areia, aparentemente sólidas e seguras. Na verdade, buscam qualquer coisa visível, qualquer coisa concreta em que possam se agarrar,pois a transparência incomoda, oinvisível amedronta e o intangíveldesafia. Porém, quando o barulho se torna constante e não há mais ninguém por perto, eles sentem medo. Quando as águas invisíveis respingam em sua pele, então, aqueleque sempreviu para crer se desespera:

– Será que estou ficando louco? Como posso sentir alucinação tão real? Isso não existe!!!

Ele está morrendo de medo de adoecer da cabeça, como aqueles loucos sonhadores e desocupados, que não têm mais o que fazeralém de inventar tolices e fábulasinfantis. Ele tem medo de acreditarque existe vida lá fora, além domuro de areia que construiu para se proteger.No fundo, ele tem mesmo é medode recomeçardo zero. Ele tem medo de aceitar que nem tudo o que aprendeué correto,e quetalvez não esteja preparado para a vidacomo deveria. Ele tambémtem medo que seus parentes e amigos o julguem por juntar-se aos tolos, acreditarnossonhadores e desocupados. Ele sente vergonha de estender a mão paraaqueles quesempre chamou de perdedores, ridículos e inúteis. É como aceitar a derrota e a fragilidade de suas convicções mais profundas.

Admitir que errou em seus preconceitos e valores é o mesmo que mergulhar no escuro e assumir os riscos deuma vida nova. Ele precisa decidir se – como a maioria dos que correm diariamente em busca do vil metal – vale a pena continuar acreditando que pagar suas contas e realizar seus caprichos são as únicas fontes de inspiraçãoparaviver.

Será que ser feliz e bem-sucedido é ter uma carreira próspera,sentar em uma cadeira imponente e adquirir poder… para fazer o quê?

Trabalhar, construir, investir, conquistar, melhorar… por quê?

Tanto esforço vale a pena? Qual o sentido? Qual o propósitode se empenhar dias e noites para comprarc aminhões de areia?

Para que serve ter o castelo mais bonito, se as malditas águas invisíveisatravessam as paredes ed eixam tudo úmido… insuportavelmente úmido?!!!

Haverá meio de se proteger da loucura e continuar de pé, enfrentandoo universo inteiro, que conspira afavor do #!%$%$##%! rio imaginário????!!!!!

Todos os sonhadores estão rindo e se banhando nos lagos e afluentes que supostamente nascem desse rio. Os ditos “desocupados” parecem ridiculamente felizes e satisfeitos, falando alto e se cumprimentando, comemorando “sei-lá-o-quê” e por quê, mas é impossível nãosentir inveja de tamanha alegria. Enquanto eles se divertem no oásis transparente,você está cercado de papéis portantes, reuniõese tempo contado para realizar mais, mais e mais!

Enquanto eles sorriem, você mata um leão por dia e chega em casa exausto, para deitar em um colchão úmido, assistir um programa úmido e ler uma revista úmida antes de dormir. Mais alguns dias, você acorda e põe os pésno tapete úmido, o pão do café está molhado e o assento docarro encharcou.

Você chega no trabalho e descobre que o escritório está alagado, com dois palmos de água na calça do terno e os papéis flutuando, sobre a suposta água misteriosa!

Não há mais como negar que essa porcaria existe, mas qual o significado de tudo isso?!!!

Por que as pessoas estão felizes, falando com você sobre a sua família, seus pais e seus filhos?!!! Por que ninguém resolve enxugar o escritório?!!! Por que você está no centro das atenções?!!!!! Você corre para o banheiro e se vê diante do espelho, mais jovem do que ontem. E o mais incrível, você está sem gravata. Veste uma bela camisa amarela, com o botão do colarinho solto… e que sensação de liberdade, hein?

O que aconteceu? Que coisa estranha!!!

Então, você volta para o escritório e leva um novo susto:o que houve com as águas? Os papéis estão nolugar e as pessoas trabalham normalmente. O clima é agradável, todos estão sorridentes e concentrados em seus afazeres, mas não há qualquer sinal daquela loucura coletiva que você vivenciouinstantes atrás.

O mesmo aconteceu nas ruas, em casa e nos dias seguintes. Nunca mais você ouviu o estranho som do rio transparente. Não sentiu mais respingos e até hoje nãodescobriu o significado de tudo aquilo.

Entretanto, apesar da aparente falta de sentido, você sabe que a sua vida mudou a partir dali. Hoje, você é capaz de perceber melhor as pessoas, os lugares, cores e sons.

Eu não lembro exatamente quando isso aconteceu comigo, mas até hoje me sinto grato pela chance de experimentar uma nova percepção da vida. E fico feliz em perceber que outras pessoas já passaram pela mesma
experiência.

Apesar de nunca terem me contado, dá para distingüir quem se esconde em fortalezas de areia e quem dedica a vida a descobrir qual o sentidodaquele maravilhoso rio transparente.


Sergio Buaiz – Publicitário, escritor, consultor e conferencista. Autor do livro “Marketing de Rede – A Fórmula da Liderança”, membro do Conselho Editorial da Revista VENCER! e Embaixador da Universidade do Sucesso. Leia seus últimos artigos: www.sergiobuaiz.com.br

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